Ontem eu almocei em família. Encontrei minha avó, minha tia-avó, tios, primos, minha mãe. Um almoço em plena quarta-feira útil, todos fazendo esforço para dar certo. Ao todo, dezoito pessoas. Isso porque uma prima de 9 anos que mora na França estava visitando o Brasil pela primeira vez, com sua mãe. Ela não conhecia boa parte da família e seu pai, meu primo de primeiro grau, mora no exterior há anos.
O assunto desta newsletter é família, já deu para perceber. O tema me veio à cabeça enquanto eu mordia com vontade um pão sírio cheio de babaganoush, pasta árabe feita com beringela, tahine, alho, sal e limão. Eu fiquei responsável por levar o hommus, minha mãe pelo babaganousch. Meu tio levou a sobremesa, minha tia preparou arroz com frango e assim por diante, cada um responsável por um alimento e um sabor.
O babaganousch estava delicioso, eu sempre gostei de beringela. E estava com muito limão, o gosto cítrico enlaçando a língua e, todo leonino, mostrando sua presença. Adoro limão e na gestação do Raul tomei limonada sem açúcar todos os dias. Meu corpo pedia, lembro da sensação até hoje.
Tenho certeza de que algumas pessoas achariam o babaganousch de ontem com limão demais. A comida sírio-libanesa é muito apreciada na cidade em que moro, São Paulo; em parte, por conta da forte imigração que ocorreu no início do século XX. Já comi em diversos restaurantes árabes, nos mais variados bairros, e, em geral, noto que a comida da minha família (que, obviamente, acho a melhor, por motivos às vezes afetivos, às vezes puramente culinários), sempre tem um degrau a mais nas qualidades e quantidades. Um excesso que deseja se mostrar e não tem vergonha de ser. Muito limão no babaganousch, muito alho no hommus, muitas bandejas de kibe assado.
Escrevendo este texto, me lembrei de uma conversa de vários anos atrás. Uma amiga me contava que procurava fugir dos convites de almoço e jantar na casa do namorado, que, na época, morava com os pais. “A comida lá não tem gosto de nada, é insossa.” Os pratos eram bonitos e a receita, correta. Mas não havia sabor. “E as conversas à mesa são muito sem graça também, ninguém parece concordar ou discordar de nada, não há entusiasmo para se falar sobre assunto algum.” A falta de tempero levou à falta de energia nas trocas, ou vice-versa?
Minha família poderia ganhar o adjetivo de intensa. Nenhum dos tios ou primos que estavam presentes no almoço de ontem negaria o rótulo. Minha avó tampouco. Meu avô, já falecido, ficou sem falar com a cunhada por anos por conta de um desentendimento no jogo de baralho. O sangue sobe à cabeça de muita gente por ali, e outro adjetivo pertinente é dramático. Trata-se de uma família dramática.
Quanto mais eu penso na minha família, mais sortuda me sinto. E isso não tem a ver com idealizar as relações, há grandes dificuldades e ressentimentos nesse grupo de pessoas que adora se reunir para comer junto. Mas prefiro uma comida com muito tempero a um sabor que não diz a que veio. A apatia e o desencanto crescem no mundo todo. Babaganousch com muito limão, por hora, me ajuda como antídoto.
Baguncinha de links
Babaganoush se faz com as beringelas no fogão. No forno elas não ficam com sabor defumado. A receita do Mohamed Hindi está aprovada por mim! 😂
Uma thread que mostra onde assistir aos curtas indicados ao Oscar 2023.
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