Atrasei. Demorei. Hesitei. Mas aqui estou!
As edições anteriores da newsletter foram no gStack, mas agora serão por aqui, no Substack. Aos poucos vou ajeitando a identidade visual e entendendo melhor as possibilidades de formatação e funcionalidades.
Vamos ao principal? Li Departamento de Especulação, de Jenny Offill, publicado pela editora Todavia recentemente. Há tempos uma obra não me atravessava tanto! A estrutura do livro é feita a partir de fragmentos, alguns deles bem curtos. Jenny Offill tem um poder de concisão impressionante; os trechos que, à primeira vista, parecem banais, quase sempre têm uma camada a ser descoberta. Assuntos que aparecem de forma aleatória são retomados algumas páginas depois. Repetições e reiterações de pensamentos ou temas vão, aos poucos, criando uma atmosfera tensa e aflitiva, mas com rasgos de uma afetividade que grita a cada página.
“Agora nós dançamos com a bebê todas as noites, rodopiando sem parar com ela pela cozinha. Vertiginosa, essa felicidade.”
Maternidade, casamento e o desejo de ser artista são alguns dos temas do livro. A voz que narra a experiência de ser mãe, o amor, o cansaço, a transformação do casamento e os sentimentos de inadequação e isolamento, vai se adensando conforme o leitor vira mais uma página. Ela não tem nome e se refere a si própria como “esposa”. Às vezes, somente “ela.” A forma do livro, interrompida, entrecortada, mosaico de ideias e anotações, contribui muito para a percepção de que essa voz que narra se sente profundamente sozinha. Mesmo acompanhada pela filha, pelo marido e por amigos esporádicos.
A certa altura, fiz uma anotação na margem: “experiências de alta carga emocional, por vezes brutais - maternidade? traição? - fizeram-na olhar para si própria de fora?”.
“Como ela se tornou uma dessas pessoas que usam calça de ioga o dia inteiro? Ela tirava sarro dessa gente. Com mapas de felicidade e diários de gratidão e bolsas de pneu reciclado. Mas então parece possível acreditar que envelhecer significa que há cada vez menos coisas sobre as quais fazer piada, até que finalmente não exista mais nada que você possa dizer que nunca fará.”
Os paradoxos que o livro traz são maravilhosos, pois ao mesmo tempo em que o casamento e a maternidade são, de certa forma, limites e freios que a narradora experimenta, ela parece não conseguir enxergar a si mesma fora deles. Observar a filha brincando e o marido cortando lenha são ações que dão sentido e contorno à personagem, uma mulher que sofre com os próprios pensamentos, revelando ao leitor, talvez, uma face triste, deprimida. Dependente.
Após a leitura fui atrás de entrevistas e textos de Jenny Offill espalhados pela internet. Este aqui, da revista The New Yorker, foi publicado em dezembro de 2020. Offill fala sobre a experiência de reler Mrs. Dalloway, clássico de Virginia Woolf, e faz referência ao ensaio Moderns Novels, da mesma autora. Ela cita um trecho do ensaio, traduzido livremente por mim, logo abaixo:
“Registremos os átomos à medida que caem sobre a mente na ordem em que caem, tracemos o padrão, embora desconectado e incoerente na aparência, que cada visão ou incidente imprime na consciência. Não vamos tomar como certo que a vida existe mais plenamente no que é grande do que naquilo que é pequeno.”
Departamento de Especulação segue os átomos que caem na mente da autora. As associações entre os trechos e os silêncios entre um parágrafo e outro compõem um mapa muito parecido ao espaço mental de quem pensa demais, em diferentes direções. Pensar e sentir, ao meu ver, não são instâncias separadas; aquilo que a narradora pensa e nos conta é também uma espécie de síntese torta de algo que ela sentiu. Pensar muito cansa, e o cansaço é assunto, também, do corpo.
Virginia Woolf defende que a vida pode existir plenamente naquilo que é pequeno. Há um fragmento brilhante em que a filha da narradora de Departamento de Especulação pergunta: “Por que você destruiu minha coisa favorita?”. Isso porque seu cobertor havia sido lavado - e estraçalhado - na máquina.
Máquinas de lavar roupa, filhos, trabalho em frente ao computador, horas de sono, um pão meio amassado que será a janta do dia. A vida pode ser pensada, sentida e narrada a partir de tudo o que é pequeno.
Baguncinha de links
Assim como meio mundo, pirei vendo o comeback da Rihanna. E fui escutar essa canção de 12 anos atrás, com Kanye West. O cara estava realmente à frente do seu tempo, pena que se transformou naquilo que bem sabemos. Riri só melhorou.
Sou leitora assídua da newsletter da Gaía Passarelli e amei este texto sobre o Carnaval.
Este texto da The Atlantic é longo e está em inglês, mas vale muito. Ele explica porque precisamos de mais histórias que explorem o sexo, a intimidade e o desejo que sentimos uns pelos outros. Caso contrário, esse imaginário ficará inteiramente com a pornografia.
Amei que você veio para o Substack ♥️
Sabe que já pensei na hipótese de que nossos sonhos formam imagens não só a partir do nosso subconsciente, como também dos “registros” que os átomos carregam ao acumular diversas “encarnações” ao longo dos tempos? Maluquice, né? Não descarto totalmente isso…🤭 Abraço