Usar as redes sociais como se bebe álcool. Com moderação. A ideia não é nenhuma novidade, o difícil é colocá-la em prática. Apesar da obviedade da premissa, ela tem me servido de guia para mudar minha relação com o Instagram e outras redes sociais que são desenhadas para perdermos cada vez mais tempo nelas, rolando um feed infinito que raramente faz bem.
A ciência é categórica em relação ao álcool: não há quantidade segura para o organismo humano. O álcool dispara vários processos celulares que causam fadiga, envelhecimento precoce e picos de glicose. Tudo bem, sabemos disso. Mas, ao mesmo tempo, o álcool adiciona algum sabor à vida. Tomar uma cerveja gelada no Carnaval é bom demais, assim como uma taça de vinho com as amigas em uma noite fria, acompanhada de uma sopa quentinha e umas boas fofocas. Fazer um brinde nas ocasiões especiais e tomar um golinho de uma cachaça envelhecida em barris de carvalho naquela viagem gostosa para Minas Gerais. Não quero abrir mão desses prazeres.
As pessoas que têm uma relação saudável com o álcool não bebem de manhã, tampouco no horário de trabalho. Eu não tomo um golinho de cerveja antes de levar meu filho para a escola, às sete e meia da manhã, nem faço um gin tônica para tomar depois do almoço, antes de sentar para ler, escrever, gravar ou responder e-mails de trabalho. Não faço nada disso porque tenho clareza das consequências; ficarei cansada, confusa, com o rendimento comprometido e, ainda por cima, correndo o risco de falar alguma abobrinha gigantesca em uma reunião importante.
Talvez, então, esse seja um bom caminho para lidar com as redes sociais. Não vou abrir o Instagram antes de levar o Raul para a escola, assim como não abro uma latinha de cerveja junto para acompanhar os ovos mexidos do café da manhã.
No final de 2023 escrevi uma matéria sobre letramento digital para a newsletter e o blog do Itaú Social. Para o texto, entrevistei uma amiga chamada Julia Moretti, professora de artes na rede municipal de ensino, em São Paulo. Quando perguntei a ela sobre os desafios do celular nas salas de aula, ela me respondeu com uma metáfora surpreendente: “Eu brinco com meus alunos e colegas dizendo que o celular é o novo cigarro: talvez a gente descubra daqui a alguns anos que o uso excessivo dele traz muitos danos, e será preciso uma regulamentação e uma comunicação mais clara, como nos maços de cigarro.”
Fiquei imaginando a caixinha de celular branca e luxuosa da Apple com uma foto de alguém com os olhos vermelhos e esbugalhados por conta do excesso de luzes do celular, com um texto logo abaixo: “Este produto é tóxico e pode gerar ansiedade, depressão, compulsão e outras doenças.” Se a caixa do cigarro traz o aviso do câncer de pulmão, a do celular falará das doenças psíquicas.
O cansaço com a dinâmica das redes sociais é imenso, pra muita gente. Mas, ao mesmo tempo, me soam ingênuas as mensagens do tipo vamos todos largar o Instagram agora!!! Honestamente, isso seria um suicídio laboral para muita gente. Sair do Instagram ainda é um luxo; o offline é um imenso luxo. Vamos nomear as coisas corretamente, para não cair em falsas expectativas. Mudar a relação com a redes sociais é possível, profissionalizando o uso e - com muito esforço, é preciso dizer! - diminuir o tempo de tela. Sair delas é para poucos.
Baguncinha de links
📱O último texto da newsletter da Bárbara Bom Angelo conversa com o tema de hoje.
📽️ Fiz um carrossel caprichado de filmes com ótimos roteiros, disponíveis nos streamings. Tem para todo o tipo de espectador!
👦🏽 Adorei essa conversa da Vera Iaconelli com o Antônio Prata no podcast O Estranho Familiar. Entre outras coisas, ele fala sobre criar meninos e sobre os grupos de sagrado masculino (risos!!!). Escute antes de julgar, sério.
Gostei bastante dessa forma de ver as redes sociais, nunca tinha pensado assim mas faz bastante sentido
Também acho que todo mundo simplesmente sair do instagram de uma hora pra outra não é uma solução tão praticável assim, muita gente depende das redes para viver, para falar com a família e amigos distantes, etc, mas criar uma relação mais saudável pode ser o caminho
Obrigada pelo texto!!
Olá, Lívia. Muito bom te reencontrar por aqui. Olha, eu venho batendo numa tecla há algum tempo já, desde que meus filhos começaram a usar smartphones e redes sociais: esse troço precisa de regulamentação. Uso sempre o exemplo dos automóveis. Quando foram inventados, eram máquinas deslumbrantes e todo mundo achava que podia simplesmente sentar ao volante e sair dirigindo. Até que começaram a acontecer acidentes, começou a morrer gente, e a sociedade percebeu o óbvio: aquilo ali precisava de regulamentação. A pessoa precisava aprender a usar o equipamento, eram necessárias regras para controlar o convívio no trânsito, idade mínima para assumir a responsabilidade, reciclagem do usuário de tempos em tempos, uma habilitação oficial para mostrar que a pessoa tinha passado pelo treinamento e fiscalização do poder público. O Smartphone e as redes sociais precisam de um arcabouço semelhante, se quisermos ter a mínima chance de civilizar o espaço digital.